sexta-feira, março 30, 2007

CRÓNICA MARAFADA: MAIS MISÉRIAS QUE GRANDEZAS

Publicado por Jornal do Algarve online, 30-03-2007

Por motivos familiares, desloquei-me um dia destes à capital do império. Um dia me bastou. Por Alfama, pela Avenida Almirante Reis, pelo Rossio, pela Rua Augusta, pelo Terreiro do Paço, por Santa Apolónia, pelo Parque das Nações . Lisboa tem mais olhos que barriga. Nas escadarias de Alfama, a caminho do miradouro de Santa Luzia, um casal jovem levitava no fumo de um charro. Deitados no adro da igreja S. Nicolau, três tipos com cara de imigrantes do Leste emborcavam garrafas de vinho, notoriamente já voando pelos reinos de Baco. No Martim Moniz, uma teenager pálida e cariada, quase caindo de cima de uma tira de pano que fazia de mini-saia e do alto de uns chinelos de 10 cm de altura, desafiava um velhote para poucas-vergonhas. No Rossio, um artista remexia um arame e sacava moedas de uma máquina de venda automática de selos, cara-podre enquanto a multidão passava rente e desviava os olhares. Numa pastelaria, um cinquentão movido a álcool entrou cambaleando e amparando uma tosga fenomenal enquanto vociferava asneiras e inconveniências que tresandavam a cerveja. Valeu que depressa percebeu que tinha entrado na capela errada. No Terreiro do Paço, um jovem tentou convencer-me a comprar- -lhe uma máquina fotográfica digital que trazia escondida sob o blusão, enquanto sobre lajes pombalinas um sem-abrigo cortava as unhas dos pés. Vale a pena irmos de tempos a tempos à capital deste império miserável, para percebermos melhor o modelo de sociedade metropolitana que vai sendo exportado cada vez mais para a nossa região. É um modelo de sociedade que não nos interessa. É um modelo que investe nas fachadas ( e só em algumas.), brilha na ostentação, mas tem os alicerces corroídos. Ali, quem é sério e sóbrio habitua-se a fingir que não vê. Cria-se uma rotina em que há a sociedade limpa e a sociedade suja. E esta última passa a só incomodar a primeira quando lhe toca, quando a agride ou quando a rouba. Lisboa é a capital provinciana deste portugal pequenino. Amesquinha as vivências das aldeias, mas é socialmente disfuncional. Tem muitos prédios encavalitados, muito alcatrão embarrigado, muitos semáforos, muita pressa, muito trânsito. mas não tem solidariedade. Não tem saúde. Cria ilhas de consumismo e de pretenso prazer, mas é refém da marginalidade, da devassidão, da toxicodependência e do crime. O modelo de Lisboa não nos serve. Obrigado.

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