segunda-feira, setembro 25, 2006

MUNICÍPIOS PRIVILEGIAM TRANSPORTE PARTICULAR

DN, 25.09.06 por Elsa Costa e Silva

Os corredores bus não são uma prioridade para a maioria dos municípios portugueses e apenas um terço das autarquias tem parques ou vias próprias para bicicletas. A primazia continua a ser dada aos carros particulares, com metade das autarquias a planear construir mais parques de estacionamento nos próximos três anos. Quanto à avaliação dos munícipes sobre as condições de mobilidade, apenas 18% dos municípios realizaram inquéritos de satisfação.

Estes dados, revelados por um estudo da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), mostram que os municípios portugueses têm ainda um "longo caminho a percorrer em termos de mobilidade sustentável". Realizada por Aurora Teixeira e Catarina Aroso Monteiro, a investigação teve por base um inquérito (ministrado entre Março e Dezembro de 2005) a todos os 308 concelhos, com perto de 200 a responder. E, no momento em que se assinala o fim da semana dedicada em Portugal aos temas da mobilidade, o estudo não deixa transparecer uma realidade muito animadora.

Contudo, assinalam as investigadoras, há sinais de uma "preocupação recente" com os problemas de gestão da mobilidade. Um compromisso que pode ser medido pelo facto de haver um número significativo de licenciados a trabalhar nesta matéria. Mas, explicam ainda as autoras do estudo, só seis municípios têm departamentos municipais de mobilidade, a maioria dos quais nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

Mobilidade sustentável

Numa altura em que se sabe que os transportes são um dos sectores da economia que mais contribuem para a degradação ambiental (nomeadamente, pela emissão de gases com efeito de estufa), aumenta a pressão social para medidas que minimizem os efeitos negativos. O conceito de mobilidade sustentável associa a componente ambiental a uma combinação de eficiência económica e bem-estar pessoal.

Ou seja, trata-se de satisfazer hoje as necessidades da população, sem pôr em causa o amanhã - o que passa por promover o transporte público ou meios não poluidores (como as bicicletas), assegurar a intermodalidade entre os diferentes operadores (como bilhetes que servem para comboio, metro e autocarro, por exemplo, ou interfaces).

Inquirir os municípios sobre estas matérias (aferidas pela existência de estudos, planos e inquéritos de satisfação) parte do princípio de que "quem deverá ser responsável pela mobilidade sustentável é quem está mais perto da população", explica Aurora Teixeira. Só que, adianta a investigadora da FEP, "o poder local não tem autonomia em termos regulamentação ou financiamento, o que, por vezes, faz com que faltem os instrumentos para intervir".

Por outro lado, estratégias que, "do ponto de vista político, visam desviar as pessoas dos seus carros, implicam, economicamente, perder receitas importantes", alerta Aurora Teixeira. Do ponto de vista do poder central, os impostos indirectos sobre combustíveis são uma fatia importante do Orçamento do Estado e para os municípios há que contabilizar os "selos automóveis, as multas ou os parcómetros".

O cenário nacional

Deste estudo, salienta-se ainda o facto de apenas 30% dos municípios portugueses terem planos de mobilidade. A tendência, além de pouco abrangente, é também recente: 61,7% das autarquias apenas começaram a elaborar os planos nos últimos três anos. Os estudos municipais sobre a matéria são mais significativos: perto de metade dos inquiridos já os realizaram, a grande maioria dos quais (84%) nos últimos cinco anos. Mas grande parte destes planos, ressalvam as autoras, tinha como objectivo aferir as condições municipais para pessoas portadoras de deficiência.

Por outro lado, destaca o estudo, "é interessante notar que os primeiros municípios a realizar estudos de mobilidade em Portugal são bastante periféricos e interiores: Mação, Montalegre, Guarda e Faro. A investigação assinala ainda que as autarquias mais sensíveis aos temas da mobilidade sustentável são as do Norte, exceptuando a região do Douro, que é a menos "virada" para estas matérias.

No entanto, em termos de acções concertadas, faltam intervenções a nível, por exemplo, da intermodalidade: mais de dois terços dos municípios não têm bilhetes intermodais. E é claro que, assinalam as investigadoras, a necessidade "aguça" o apelo à intervenção. Assim, "municípios com mais problemas de mobilidade urbana (relacionados com maior taxa de carros particulares na população empregada, mais emprego e parques de estacionamento mais velhos) são também os que estão mais alerta aos temas da mobilidade sustentável". Por outro lado, o facto de participar em programas de reabilitação urbana (como Polis ou Urbcom) não leva necessariamente a uma maior consciência.

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