domingo, setembro 28, 2008

O IMPÉRIO ROMANO DEBAIXO DOS NOSSOS PÉS

As memórias da cidade não estão escondidas no sótão, mas sim na cave. Sexta, Sábado e Domingo são dias de abrir o baú e descer às profundezas de uma Lisboa com dois mil anos

Publicado no SOL em 26-09-2008 Por Pedro Guerreiro pedro.guerreiro@sol.pt

De 26 a 28 de Setembro, os lisboetas voltam a ter a possibilidade de descobrir um tesouro guardado pelo chão que diariamente pisam. As galerias romanas da Baixa Pombalina vão estar abertas ao público até domingo, numa iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa.
Das 10h às 18h, oferece-se uma visita guiada a um testemunho da passagem dos romanos pela cidade. Junto ao número 77 da Rua da Conceição, vai ser possível descer por uma tampa no meio da rua. Lá em baixo revela-se um criptopórtico bem preservado, que só é aberto uma vez por ano. A estrutura assemelha-se a um invulgar apartamento - chamemos-lhe assim - de paredes nuas e húmidas, tectos baixos e abóbadas.

Terá sido construída pelos romanos durante a época de ouro de Olissipo, há cerca de dois mil anos. Na altura, explica hoje o arqueólogo António Marques, a cidade era o principal ponto de contacto entre o mundo mediterrânico e as terras banhadas pelo Atlântico.
As riquezas que por aqui passavam alimentaram uma colónia que se desenvolveu nas terras húmidas onde hoje se situa a Baixa. «Isto era uma zona de praias, um pântano», disse o arqueólogo durante uma visita reservada aos jornalistas.

As galerias foram a solução desenvolvida pelos romanos para permitir a construção à superfície e funcionavam como as modernas fundações de betão. O conjunto arqueológico foi descoberto em 1771, após o devastador terramoto que levou à reconstrução de Lisboa. O aspecto relativamente convidativo de quem as visita fez muita gente pensar que eram mais do que uma solução de engenharia.

«Até aos anos 80 pensou-se, erradamente, que eram termas romanas», disse António Marques. Para ajudar à confusão, um pedestal com uma inscrição em latim dedicado a Esculápio, o deus da Medicina, levou os eruditos do século XVIII a considerar que se tratavam de termas para fins terapeuticos.
Até ao século passado, e devido à constante infiltração das águas daquela zona, a estrutura serviu de cisterna aos lisboetas, que a chamaram de Conservas de Água da Rua da Prata. Apesar de ser imprópria para consumo, a água foi consumida pela população, que lhe atribuía efeitos medicinais, sobretudo para as doenças dos olhos.
Hoje, a água que com o passar dos séculos invadiu o criptopórtico faz parte da estrutura, e é essa a razão que leva a Câmara de Lisboa a manter as galerias encerradas ao público. É a humidade que mantém a integridade das paredes. Se secassem, corriam o risco de rachar e levar consigo os prédios que se erguem à superfície.
Mas não há motivos para ter medo de visitar as galerias, a menos que seja claustrofóbico. E resta pouco tempo para fazê-lo - dez minutos bastam para conhecer este património, revelado ao público apenas uma vez por ano.

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