sexta-feira, maio 25, 2007

RECONSTRUÇÃO DA BAIXA POMBALINA

A inevitabilidade do passado ou o que nos preocupa nas propostas de
Reconstrução da Baixa Pombalina?


Artigo do Arquitecto Gonçalo Cornélio da Silva publicado no DN em 16.11.2006
"Os meus sinceros parabéns pela Vossa iniciativa, o DN provocou acto de cidadania absolutamente extraordinario. Sou arquitecto dos quadros da CML, ex director da Unidade de Projecto de Chelas, realizei a minha Tese de mestrado nos EUA que versa sobre a recuperação da baixa Pombalina, na University of Notre Dame da qual fui bolseiro e professor de 2001 a 2003, e ainda bolseiro da FCG e FLAD."

A História Universal nasceu nas cidades. A cidade faz efectivamente parte da “essência da história” porque é ao mesmo tempo a concentração do poder social, protagonista essencial da história, da consciência do passado e veículo transmissor das tradições e do legado para o futuro.
Ao longo do Século XX, a sociedade procurou controlar tudo à sua volta desenvolvendo uma técnica especial para explorar e desenvolver de uma forma “capitalista” o território. A essa técnica chamaram “urbanismo”, que no fundo é nitidamente a posseção do ambiente natural e humano. Um domínio absoluto absorvendo a totalidade do espaço, e posteriormente transformado convenientemente numa ciência, onde o arquitecto deixou de ter o seu lugar, muitas vezes por culpa dele próprio. Por este motivo o urbanismo é uma arte, e não uma ciência como alguns pretendem.

Na realidade, e ao longo do século passado temos assistido à destruição das cidades e às várias tentativas de reconstrução de uma “paisagem pseudo-rural”, onde na realidade todas as relações naturais do campo/rural, as relações sociais directas ou indirectas são inexistentes, resumindo-se a umas tentativas demagógicas envergando uma camisola ecológica que pretendem recriar de uma forma fictícia a “paisagem rural”, provocando o colapso da própria cidade historica e portanto atentando contra a identidade das suas gentes, ridicularizando inclusivé a própria paisagem rural. Na realidade as várias experiências, correntes e teorias ao longo desse século, transformaram-se numa excitação e exaltação egocêntrica e numa busca incessante e pueril da originalidade.

Um despotismo em nome do progresso, centralizador, estatizante, burocrático falseado e subsidiado por “um espéctaculo sofisticado e organizado, suportado por enganos e ignorância” como nos diz Guy Debord, em La Société du Spectacle. Estes novos aglomerados ou cidades pseudo rurais falsamente tecnologicos inscrevem-se claramente em ruptura com o Homem, com a historia e com o seu legado, (Vide, o trágico acidente, nos Olivais resultante da pratica urbana fundada na Teoria de Cidade Jardim, com traçados de ruas que permitem grandes velocidades aos automóveis). Na verdade, o momento histórico da revolução industrial e o surgimento das ideologias sociais têm grande influência no desenvolvimento do urbanismo modernista. “A necessidade de manter a ordem na rua, culmina na supressão da própria rua” e com os “meios de comunicação das massas sobre as grandes distâncias, o isolamento da população, tornou-se um meio de contrôle bem mais eficaz”, tal como nos conta Lewis Mumford em La Cité atravers l’Histoire.

A Baixa Pombalina contradiz vários historiadores que afirmam que é sómente no século XX que surge a Arquitectura, porque esta no passado estava reservada a satisfazer somente as classes dominantes. Efectivamente e ao longo do século passado o modernismo vem desenvolvendo uma nova arquitectura para “os pobres”, caracterizada por uma miséria formal, em extensões gigantescas, implantadas de forma aleatória, para uma nova experiência habitacional, uma prática profundamente rendida ao capitalismo e numa visão economicista da construção, numa evidente alienação social, na destruição das relações sociais e de cidadania, (vide aglomerados urbanos de habitação social marginais às cidades). Ora, o projecto de reconstrução de Lisboa após o terramoto de 1755 é revelador de uma grande Equidade Social, e julgo eu pela primeira vez na história das cidades, todas as classes sociais estavam representadas e viviam no mesmo edifício, (esta é a verdadeira novidade e não por motivos constructivos). É a Equidade Social projectada há 250 anos, o verdadeiro factor de Classificação da Baixa Pombalina como Património da Humanidade, e que me faz ter orgulho em ser Português.

O que está em jogo não é um conjunto de intenções para um projecto de Reabilitação da Baixa Chiado, o que me preocupa são as filosofias, vaidades e compromissos.
Por um lado, uma filosofia de alienação da nossa cultura e identidade, por outro lado os compromissos assumidos anteriormente, e dos quais não ouço ninguém a manisfestar-se. As várias propostas e projectos previstos são de uma visão egocêntrica, provinciana e economicista, e disso tenham perfeita consciência, poderam vir a destruir para sempre a frente histórica da Cidade de Lisboa. Com estes projectos, dos 2,4 km de passeio ribeirinho entre Santa Apolónia e Cais do Sodré sómente 800 metros serão acessiveis e passíveis de passeio ribeirinho. O Conjunto Urbano da Baixa Pombalina não vai sobreviver á construção da Agência Europeia de Navegação e Observatório Europeu de Toxicodependência no Cais do Sodré (obviamente importantes para Portugal), muito me surpreende a falta de pudor dos seus autores, e que não seja mais forte o peso de uma imagem colectiva de 250 anos. Assim como difícilmente o Terreiro do Paço voltará a ter o seu valor quando da construção do mega terminal da estação Sul-Sueste que será maior que o próprio vão do Terreiro do Paço. Como também a imagem inconfundível do cair da colina de Alfama sobre o Rio Tejo terminará no dia em que for realizada a praia de betão para atracar 6 paquetes com mais de 30 metros de altura e que nem 24horas ficam em Lisboa.
Quero acreditar que dificilmente a Baixa Pombalina será classificada de Património da Humanidade caso estes projectos venham a ser construídos.

A frente histórica tem necessáriamente que ser concluída, tal como em Barcelona, quando no século XX se estendeu a malha urbana de Cerdá, é necessário restabelecer a aresta Rio-Cidade, e não polvilhar e empastelar de edíficios de forma aleatória ou unicamente subjugado aos desenhos e traçados de fluxos de trafego.
Lisboa tem um potencial único, é actualmente a única capital da União Europeia com capacidade de aumentar o seu Centro Histórico sem ser descaracterizado.
É do conhecimento de todos, que os vários programas financeiros revelaram-se inadequados, e não vale a pena justificarmos todos sabemos os motivos, é pois necessário recuperar sem esperar por decisões dos particulares, como já se fez, é necessário densificar criar mais habitação com o mesmo modelo, diversificar as dimensões dos lotes de modo a não excluir as bolsas mais desfavorecidas.

Quanto ao trânsito de veículos, relembro aos mais destraídos que o Rio Tejo sempre foi uma via comunicação, e confesso que deverá ser difícil para alguns aceitar que o meio de transporte actualmente é efectivamente o automóvel, que substituem hoje as antigas faluas do Tejo, e por este motivo necessáriamente deverão atravessar o Terreiro do Paço, tal como os barcos o fizeram outrora. Aliás há que distinguir dois passeios, um o passeio eminentemente histórico ao longo da Rua dos Bacalhoeiros e Arsenal e o outro ao longo da margem a pé ou nas “faluas” de hoje. Não podemos consecutivamente comprometer o futuro como já sucedeu no passado, todos sabemos que no Projecto de Reconstrução do Chiado, devido à teimosia de alguns não foi realizado e aproveitado os desníveis para criar mais estacionamento quando da fatalidade do incêndio.

Será necessário criar condições de atracção para o comercio e mais valias económicas para aqueles comerciantes resistentes os verdadeiros heróis da Baixa Pombalina, pois são eles que mantêm ainda o bater do fraco coração da Baixa-Chiado que tem vindo a sofrer de erros urbanisticos realizados em nome do “progresso”.
A revitalização do Centro Histórico da Baixa de Lisboa deve repor a veracidade, a autenticidade e a intencionalidade do Terreiro do Paço, não deixando que outros espaços urbanos possam competir com a sua grandeza, actualmente o espaço urbano criado pelos edifícios do Arsenal da Marinha e o Campo das Cebolas estão em directo desafio, por este motivo é urgente construir estes espaços e reconstruir os torreões realizando a sua cobertura tal como estaria prevista.
Este é O desafio do século XXI de um Portugal Humanista, o Projecto de Reconstrução da Cidade de Lisboa não está terminado. A Cidade de Lisboa é o Nosso maior armazém de memória cultural. Esta será sem dúvida a maior oportunidade para projectarmos a Nossa Imagem ao mundo e posteridade. As grandes cidades do passado nas quais ainda vivemos, falam pelos seus sonhos e aspiraçoes das suas sociedades, e devem entender a Memória não como uma nostalgia de glórias vãs mas como uma inspiração para as realizações dinâmicas e contemporâneas. Quanto mais proxima a criação urbana chegar ao Nosso passado colectivo mais frutuosa será a inspiração no futuro, pois o valor da memória é a sua capacidade inspiradora.
Pelo meu lado acredito na sensibilidade e cultura da Vereadora Maria José Nogueira Pinto e na preocupação social do Professor Carmona Rodrigues.

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