terça-feira, maio 22, 2007

A ELITE DE LISBOA

Pelo Prof. Dr. Paulo Varela Gomes (pgomes@darq.uc.pt), no Público 10-05-2007
O maior problema de Lisboa são os fazedores de opinião de Lisboa, precisamente esses que dizem que os maiores problemas de Lisboa são... etc e tal. Na verdade, achar que o problema de Lisboa tem que ver com maiorias camarárias ou finanças é indicativo de uma extraordinária miopia política e cultural que mostra muito precisamente o seguinte: Lisboa é um assunto demasiado sério para ser deixado aos lisboetas. Não me refiro à maioria dos lisboetas, aos lisboetas das 9-às-5, mas sim à elite lisboeta, aos fazedores de opinião lisboetas, aos seus colunistas, jornalistas, cineastas, escritores, poetas, músicos, actores - todos aqueles e aquelas que mostram Lisboa a si mesmos e aos outros, são ouvidos sobre Lisboa, fazem a "imagem" de Lisboa. São estes e estas que têm a responsabilidade de ter deixado chegar Lisboa ao estado a que chegou ao longo de sucessivas gestões camarárias de gente sem visão e sem rasgo, incluindo Jorge Sampaio, João Soares, Santana e Carmona. A elite (e os jovens, os jovens...) de Lisboa têm essa responsabilidade porque, iludidos pelo aumento da oferta cultural e de entretenimento que a cidade sem dúvida vem experimentando nas últimas décadas, não viram - literalmente não viram e não vêem - a degradação do espaço público, a fealdade crescente, a decadência brutal da qualidade de vida de Lisboa, uma das cidades menos user friendly da Europa, certamente a mais descuidada, suja, anárquica e rasca das suas capitais. A elite de Lisboa, aos gritinhos de contentamento com o "cosmopolitismo" da sua cidade, nem ao menos tem o discernimento de detectar o paternalismo condescendente com que os estrangeiros olham para o terceiro-mundismo dos graffiti, do lixo, dos carros estacionados por toda a parte, dos edifícios em cacos, do horror dos subúrbios, da vergonha das entradas na cidade, da porcaria dos transportes públicos, do inferno do trânsito. Esta elite, toda satisfeita, deixou a política de Lisboa aos políticos de Lisboa. E estes são tal e qual aquilo que Pacheco Pereira escreveu no PÚBLICO de 5 de Maio último, num dos mais certeiros e dramáticos textos alguma vez produzidos sobre a política portuguesa (Pacheco Pereira esqueceu-se do PCP, cujo aparelho lisboeta é do mesmo género que os do PSD e do PS; esqueceu-se até do facto de que a posição camarária dos comunistas em Lisboa constitui um dos factores históricos mais importantes da acomodação do PCP ao regime; pelas sinecuras da Câmara Municipal de Lisboa, o PCP passou a estar disposto a vender a alma. E vendeu-a várias vezes). O abandono da política de Lisboa pela sua elite é espelhado exemplarmente naquilo que sucedeu ao Bloco de Esquerda, um partido que deveria ser eco dessa elite mas que está entregue de pés de mãos atados a um candidato-vereador com mentalidade de polícia."

1 comentário:

drcursor disse...

Ora...se Pacheco Pereira nao referiu o PCP nesse artigo, foi pq ele como grande conhecedor (admirador??) do PCP, sabe que dentro do PCP nao existem as guerras de poder que ele descreveu em relacao ao PS e PSD (e acrescento eu, CDS).

Dizer que o PCP é 1 partido que vendeu a alma em Lisboa é uma falta de respeito pelo trabalho autarquico deste partido. É esquecer tudo o que o PCP sempre fez antes na coligacao e depois pela populacao de Lisboa.. é facil mandar a boca, mas é dificil contrapola a anos e anos de trabalho!