segunda-feira, agosto 07, 2006

O FUTURO DA BAIXA CHIADO E A FRENTE RIBEIRINHA DE ALFAMA

Opinião publicada no Público, POL nº 5969 Segunda, 31 de Julho de 2006

Adivulgação da proposta do arquitecto Manuel Salgado, comissário para o Urbanismo da Baixa-Chiado deixa-nos a expectativa de, finalmente, se conjugarem entidades e vontades para que o centro da cidade Capital do país seja reabilitado e devolvido à vida e importância funcional e simbólica que merce, tanto mais quanto se propõe agora, que seja elevada a Baixa a Património Mundial da Humanidade.Saliente-se a proposta que se propõe de forma articulada e global revalorizar os atributos daquela área e potenciar o seu desenvolvimento, focado em aspectos que por serem quase óbvios não perdem por isso importância, antes são talvez decisivos para a implementação e sucesso da operação de Reabilitação.A aposta num centro governamental e financeiro, atraindo sectores de emprego de elevado nível, será a garantia de viabilizar a rentabilidade, colocando valor numa zona onde o valor fundiário é já muito elevado, indo por outro lado, ao encontro da vocação e história do lugar. No entanto, é preciso para isso que a infraestruturação desta área ofereça a qualidade adequada, começando pela rede de esgotos, que é velha e despeja directamente no Rio Tejo que é proposto como um dos motores de reabilitação da Baixa.Compreende-se o alargamento da área de intervenção a toda a Freguesia da Sé e Frente Ribeirinha até Santa Apolónia, para além dos limites definidos para a Unidade de Projecto da Baixa e também da SRU Baixa, dado que a Sé tem um contexto urbano marcadamente de influência Pombalina e a Frente Ribeirinha corresponde também, em grande parte, a aterros portuários realizados a partir do XVIII. Emblemático desta fase é o "Celeiro do Trigo" que comemora neste ano os seus 240 anos e no qual se conserva, inscrito no portal Norte, um texto da época digno de nota.A reabilitação destas áreas é fundamental para que a reabilitação da Baixa surja como parte de um todo coerente e homogéneo, dando continuidade ao trabalho já iniciado pela Reabilitação Urbana do Município nesta zona histórica.Qualquer pessoa que hoje percorra a zona ribeirinha entre Santa Apolónia e o Campo das Cebolas, através das ruas do Jardim do Tabaco, Terreiro do Trigo e Cais de Santarém, se apercebe facilmente, para além das referências toponímicas a um passado laborioso deste centro funcional e orgânico da cidade, também da presença de um elevado número de edifícios de inegável valor patrimonial, mas que apresentam uma face francamente degradada, deixando uma marca de abandono num percurso ribeirinho que tudo tem para ser uma marca de distinção e identidade da cidade de Lisboa.Estando agora prevista a reformulação e ampliação da zona de aterro desde Santa Apolónia à Doca da Marinha, o Plano poderá e deverá ter em conta essas novas realidades resolvendo e articulando as várias dimensões urbanas presentes.Neste âmbito deve ser aproveitada a oportunidade para recuperar a Frente Ribeirinha de Alfama, na verdadeira acepção da palavra, devolvendo ao bairro a possibilidade de contacto com o Tejo, tal como foi na sua raiz. É necessário que os novos edifícios a implantar nas áreas de reconversão portuária não criem mais uma barreira entre Alfama e o rio. Por isso, é fundamental que sejam garantidas aberturas visuais e enquadramentos perspécticos que valorizem a relação entre a cidade e o rio (ver mapa). Estas Relações estão inscritas no tecido existente e bastará ter o cuidado de as não esquecer e salvaguardar. São os boqueirões, cais, pontões e passagens que antigamente existiam e são "visíveis" ainda em parte da toponímia ou na estrutura edificada. Um deles, magnífico memorial gravado em lioz, ao lado do Celeiro do Trigo, reza assim desde 1766 - "he franca a servidão pública por este caes... " .O conjunto de armazéns da APL, situado entre a Avenida Infante D. Henrique e a Rua Jardim do Tabaco, actualmente quase desactivados, permitirá, através da sua refuncionalizaçäo com a valorização dos elementos arquitectónicos notáveis, aí instalar equipamentos urbanos de que Alfama, o Castelo e o Centro da cidade carecem, seja uma escola básica ou um pavilhão desportivo/multiusos.Para as áreas adjacentes ao novo cais de cruzeiros, poderá ser criado o Espaço Público de lazer e fruição que tanta falta faz a esta zona, aproveitando e valorizando o enquadramento dado pelo magnífico perfil da colina do Castelo, com o seu casario e elementos singulares.Esperemos que esta seja a ocasião para Alfama voltar ao contacto com a sua Frente Ribeirinha e que os espaços do passeio ribeirinho a criar se não divorciem da cidade histórica, persistindo na lógica linear, nascente-poente, mas se ramifiquem para o interior do bairro, desfazendo a barreira que a Avenida Infante D. Henrique e o porto criaram, há 60 anos.Será esta a oportunidade de Alfama se abrir à Cidade?... Oxalá

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