segunda-feira, outubro 23, 2006

LISBOA, A CIDADE QUE SE ADORA "SEM TER GRANDES RAZÕES PARA ISSO"

Publico Sábado, 21 de Outubro de 2006 Inês Boaventura

Tertúlia da Ordem dos Arquitectos juntou um político, um arquitecto, um artista plástico, um coreógrafo e uma jornalista

Um centro histórico "decadente", periferias "construídas às três pancadas", o "silêncio" que impera nos espaços públicos e a ausência de "uma consciência colectiva" foram alguns dos defeitos apontados a Lisboa pelos participantes numa tertúlia sobre as cidades das suas vidas, organizada anteontem pela Ordem dos Arquitectos. "Adoro Lisboa sem ter verdadeiramente grandes razões para isso", sintetizou o eurodeputado Miguel Portas, que acredita que podia "viver muito bem" em Amesterdão mas não em Bruxelas, onde actualmente "semivive".
Lisboa e as cidades da minha vida foi o tema em discussão na Galeria Graça Brandão, no Bairro Alto, num encontro que contou com a participação do artista plástico Pedro Calapez, do arquitecto Manuel Graça Dias, do coreógrafo João Fiadeiro, da jornalista do PÚBLICO Bárbara Reis e do eurodeputado Miguel Portas. Nova Iorque, Díli, Amesterdão e a capital portuguesa foram algumas das cidades referidas ao longo da tertúlia, na qual o Cacém foi várias vezes apontado como exemplo negativo.
"As cidades precisam indiscutivelmente do que é mau. Não há cidades do paraíso", defendeu Miguel Portas, talvez para justificar o facto de "adorar" Lisboa "sem ter verdadeiramente razões para isso". Depois de comparar a cidade com Bruxelas, cujo "maior interesse é ter sido inventada para funcionar bem", o eurodeputado concluiu que a sua preferência pela capital portuguesa "tem a ver fundamentalmente com a luz".
"Fico sempre com vontade de vomitar quando se diz que Lisboa é luz", contrapôs Manuel Graça Dias, considerando que "num momento de enorme acerto poético" pode haver quem encontre a mesma luz em periferias como o Cacém ou em pontos distantes do globo terrestre. O arquitecto, que além de Lisboa viveu na antiga Lourenço Marques (hoje Maputo) e em Macau, não consegue escolher a cidade da sua vida porque acredita que esta é "um mosaico irrealista" feito de "pedaços" dos sítios por onde passou.
"A cidade ideal é composta de bocados que se vão somando", defendeu Graça Dias, acrescentando que as muitas viagens que realizou lhe permitiram "ter um desejo mais complexo para Lisboa", que vai para além de realidades como a de um centro "decadente". Para ter "muitas vidas ao longo da vida" e conhecer "muitos pedaços de cidade", o arquitecto diz que gostava de poder alugar uma casa diferente por curtos períodos de tempo em Lisboa.
Diferente é a postura de Pedro Calapez, que desde que nasceu, em 1953, vive na mesma casa, no bairro lisboeta da Graça, o que lhe permite a cada dia "passear" e "descobrir velhos e novos detalhes". O artista plástico diz que não se assusta com as substituições a que foi assistindo ao longo dos anos, embora algumas impliquem com o seu quotidiano, mas admite que se assusta com o facto de perceber que a sua opinião como habitante "pouco conta".
Também João Fiadeiro se confessou adepto de uma certa "rotina, de um sentimento de segurança" que encontrou na zona de Santa Catarina, onde gosta de descobrir "as mesmas coisas que se olham todos os dias outra vez". Para o coreógrafo, que acha que o Bairro Azul "não é Lisboa" por ser uma "zona violenta", com demasiado "barulho", a Calçada do Combro é "a avenida principal" da cidade onde escolheu viver.
Já Bárbara Reis constatou, depois de ter morado em Nova Iorque, Díli e Lisboa, que em todas estas cidades viveu "da mesma forma", "num espaço exíguo" e realizando "pequenas deslocações" no seu dia-a-dia. "Fiz um percurso de regresso ao bairro. Da Village, ao Bairro do Farol, ao Largo de Santo António à Sé", concluiu a editora de Cultura do PÚBLICO.

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